Luz e Escuridão
Houve um tempo em que a noite era uma imensidão escura.
À medida que o Sol seguia em direção ao horizonte e o céu se tingia de tons laranja, vermelho e violeta, a noite nascia e com ela a escuridão tomava posse.
E no silêncio escuro da noite ela ansiava pela Luz.
Sombras pairavam sobre o seu corpo trémulo, a sua presença imensa e escura como um manto pesado, sufocante e ela inspirava o ar noturno com sofreguidão.
Mas o ar era feito de um medo denso, espesso que lhe enchia os pulmões e, como uma onda, lhe percorria o corpo, inundando-a. E o seu coração, lugar frágil, tornava-se gruta gelada, fria e solitária onde seres sombrios abriam as suas asas e volteavam desesperados de encontro às paredes vermelhas, como se procurassem algo.
Para ela, encarar a noite escura era olhar a sua própria escuridão, os seus segredos obscuros. Por isso, fechava os olhos e ansiava pela Luz.
Certa noite, desenhou uma luz ténue no céu como se fosse um pequeno sorriso branco no fundo escuro. Timidamente, noite após noite, a luz foi crescendo. Então, como por magia, uma grande bola branca brilhou e iluminou a noite. Chamou-lhe Lua e, nessa noite, ela inspirou o ar quente e doce, saboreando-o, tomando-lhe o gosto. Deixou que o ar lhe aquecesse o coração e adormeceu sorrindo.
Agora tudo era perfeito. A noite não era escura e nada sombrio pairava sobre ela.
Embrenhada no calor prateado que a embalava no seu abraço protetor não se apercebeu que a cada noite a brisa perdia a sua doçura e se tornava num vento frio. O luar foi minguando até restar apenas escuridão.
Uma imensidão escura sem fim pairava novamente sobre ela. Por isso, fechou os olhos ansiando pela luz.
Então, decidiu pintar várias luzinhas no céu, pontilhando a escuridão de dourado. Deu-lhes o nome de Estrelas para que brilhassem todas as noites. Assim, a Lua viria todas as noites e ela não voltaria a ter medo. Medo da noite escura, medo da sua própria escuridão porque haveria sempre Luz.
Ah! Se assim fosse, tudo seria perfeito!
Mas a escuridão, a tão temível sombra escura dominava lá do alto. Pairava sempre sobre ela exigindo a sua atenção.
Todas as noites, ela olhava a Lua e estudava todas as suas fases, a sua natureza cíclica. Tentando compreendê-la. E, então, percebeu.
Também ela tem de se deixar engolir pela noite, como a Lua. Mergulhar nas águas profundas dessa imensidão escura e encarar as suas dores, as suas falhas, os seus medos. Encarar a sua própria natureza.
Por isso, todas as noites, ela ora à Lua.
Com os pés descalços sente a força da Terra fluir pelo seu corpo. Inspira o perfume das flores que enfeitam os seus longos cabelos claros. O brilho da Lua beija-lhe a pele e uma sensação indomável apodera-se do seu corpo. Sente-se selvagem e livre.
E na sua oração ela dança. Uma dança entre Luz e Escuridão. Uma dança de Amor.
Uma dança de Amor-Próprio.